AO DOMINGO
Ao domingo, o ceguinho sentava-se
na soleira da porta da Travessa de São Paulo. Pela manhã, esperava os clientes
que saiam da missa, predominantemente crianças.
Pela tarde, grupos de rapazes
seminaristas atravessavam a cidade. Desde o edifício na Encarnação, em fila
indiana e com as suas vestes negras, passavam pelo Pombal; Largo da Cruz Vermelha; Cruzes; final da
Carreira, Cabouqueira e Ilhéus a caminho do campo dos Barreiros. Era a tarde
das emoções futebolísticas! Criadas em tarde de folga, saíam de mão dada com os
namorados rumo a um qualquer banco da cidade. Eu passava pelo ceguinho com uma
moeda de alpaca de um escudo, aguardava que enchesse um copo de vidro a servir
de medida, e despejava num cartucho de papel, tremoços amarelos. Ficava
perplexo com a destreza em reconhecer o valor das moedas. Depois era descer a
Ribeira de São João, contornando velhos autocarros estacionados e encostados aos velhos plátanos.
Junto ao cais, vendedores
ambulantes em pequenos carrinhos com rodas de bicicletas, encantavam os
transeuntes. O cheiro do amendoim acabado de torrar espalhava-se abrindo o
apetite dos que passavam. O homem dos sorvetes tirava cones de baunilha e sabor
de banana e morango. O seu reino tinha agora a concorrência do quiosque feito
em fibra e que vendia Olás e Rajás fresquinhos. Eram mais higiénicos e tinham
pequenos brindes de plástico que deliciavam as crianças. Quem não colecionava
figuras do Walt Disney ou do Carrocel Mágico? Mas nada melhor do que disfrutar
a ensolarada de domingo, com um pacote de amendoins, junto à rotunda do velho
cais. No horizonte, o imenso azul do oceano, caminho e destino de quem ansiava
ver o mundo além da curva do Garajau, onde os velhos vapores sumiam deitando
fumo das esguias cheminés. Tal como a negra fumaça desvanecida no ar,
sonhávamos o mundo em fotografias de jornais.
A mulher vendia guloseimas! Eram
guarda-chuvas de chocolate, tabletes da Regina, rebuçados com riscas coloridas,
gamesses na linguagem dos pequenos. Por vezes, e antes de esgotarem, a vitrine
ostentava queques de laranja, cornucópias e bolos de arroz feitos pela
madrugada. Rosquilhas, bolos do caco, cavacas e até caramujos com sabor a
maresia, apanhados no calhau. De uma esguia cheminé metálica, saía aquele
inconfundível cheiro a amendoim convidando os domingueiros a gastar as pequenas
moedas guardadas da mesada.